Sunday, June 15, 2008

Notas do Euro

Li no jornal A Bola, que não haveria um português que não estivesse feliz com o afastamento dos gregos. Enganam-se, há pelo menos um português que não partilha desse sentimento, muito menos o entende.
A Grécia nunca ganharia um concurso de beleza futebolística, é certo, mas ganharam o último europeu com todo o mérito. Isto parece-me mais que óbvio. No dia em que a finalidade do jogo não passe exclusivamente por introduzir a bola o maior número de vezes possível na baliza adversária, evitando que a mesma entre na própria baliza e seja criado um júri que faça uma espécie de avaliação técnica como na patinagem artística, então talvez possamos questionar o triunfo grego, e muitos outros alcançados ao longo da história do futebol…

Anda toda a gente maravilhada com a selecção holandesa. Também acho a equipa muito interessante, no entanto daí a fazerem-se comparações com a laranja mecânica de Rinus Michels, muito mais que um exagero, é quase um sacrilégio.
É mais um lugar-comum clássico. Tal como a Itália, na cabeça de muita gente, é e será sempre olhada à luz do catenaccio, os holandeses são e serão sempre olhados à luz do futebol total

A Filosofia futebolística que celebrizou a selecção holandesa do mundial de 74 e também da que foi campeã europeia em 88 e que lhes valeu o epíteto de laranja mecânica (mais à primeira), assentava no axioma da posse e circulação de bola, com permanentes variações do ângulo do jogo, produzindo um futebol fluído, ofensivo e espectacular. O futebol total foi uma revolução táctica que marcou indelevelmente o jogo.

Esta equipa orientada por Van Basten, não é uma equipa eminentemente ofensiva, sendo que um dos pontos de destaque até é precisamente a sua consistência defensiva. A equipa raramente se desequilibra, fruto de uma linha defensiva que, com excepção de Van Bronckhorst, a espaços, raramente se envolve em acções ofensivas. No lado direito da defesa joga um central, Boulahrouz, que se preocupa essencialmente em fechar o seu corredor. À frente deste quarteto, está um duplo pivot também essencialmente com missão defensiva. Desta forma, soltam-se a criatividade e capacidade técnica de Sneijder (uma das grande figuras do torneio até ao momento) e Van Der Vaart. Os processos ofensivos até assentam no contra-ataque e no ataque rápido (5 dos 7 golos marcados derivaram deste tipo de acções), não que a equipa não seja forte em posse, mercê da referida qualidade dos seus jogadores, sobretudo os da segunda linha do meio campo. Mas até as opções de Kuiyt e Sneijder nos corredores laterais denotam uma preocupação defensiva. O primeiro pela cultura de transição defensiva apreendida e aprendida no Liverpool onde também joga muitas vezes nos corredores laterais e o segundo pelo facto de também estar habituado a ocupar a zona central do campo, zona habitual de pressão, onde joga com eficiência .

4 comments:

Nuno said...

Em relação à Grécia temos opiniões diferentes. Não é por a Grécia jogar feio que não acho que tenham merecido o triunfo em 2004; é porque, apesar de defenderem com critério, não atacam e só ganharam o que ganharam com sorte.

Adiante, totalmente de acordo em relação à Holanda. O futebol total pressupõe 11 jogadores para atacar e 11 para defender, sendo que, num determinado lance, a posição de defesa central podia estar a ser feita por um avançado. Essa dinâmica conferia, em termos ofensivos, uma imprevisibilidade única, embora em termos defensivos fosse algo desequilibrada. Esta selecção de Van Basten é claramente o oposto: há 6 jogadores para defender e 4 para atacar. Acontece, porém, que estes 4 são mesmo muito bons, assim como os 4 que estão no banco para os substituir. Isto, em termos ofensivos, permite que a Holanda seja muito imprevísivel, porque os jogadores são muito imaginativos. Mas a equipa não é equilibrada. Vive da imaginação destes jogadores e, no dia em que não estiverem inspirados, o colectivo não me parece que tenha soluções. A única coisa que gostei, em termos tácticos, e que acho que foi uma verdadeira lição de Van Basten, foi quando, pressionado pela França, retirou combatividade à equipa para introduzir velocidade, frescura, talento e ideias no meio-campo. Mas de resto, concordo com o que dizes. É uma selecção que gosta de atacar, mas que nunca se desposiciona defensivamente, deixando sempre 6 jogadores para essas tarefas.

Um Abraço!

Paulo Santos said...

Nuno, custa-me muito a acreditar nessa coisa da sorte e do azar. admito que esse factor possa ser explicativo num ou noutro lance isolado em apenas um jogo. A Grécia passou a fase de grupos, deixou pelo caminho França, R. Checa e Portugal - não pode ter sido apenas sorte. Acho, e é o que muito me irrita, que existe um enorme ressabiamento luso no que toca a esta questão. A parcialidade dos nossos analistas profissionais é gritante e a meu ver patética. Jogos em que as nossas equipas foram totalmente massacradas pelos adversários, mas que até foram ganhos com lances fortuitos (o golão de Carlos Manuel em Estugarda e um outro sobre o qual tu até há pouco tempo escreveste) são hoje lembrados como jogos sublimes do nosso futebol...


Quanto a Van Basten, é verdade, tem sido um dos treinadores em destaque no torneio, pela forma inteligente com que tem mexido na sua equipa ao longo dos jogos. Também Fatih Terim tem estado muito bem nesse aspecto, tendo já virado dois resultados desfavoráveis. Ontem então foi absolutamente épico.

Grande abraço. Temos que combinar qualquer coisa ainda antes do fim do torneio.

Nuno said...

Sem dúvida, temos de combinar ver um jogo. E concordo com o facto de muito boa gente em Portugal não suportar a Grécia porque foi precisamente a Grécia quem derrotou Portugal. Não é o meu caso. Não gostei do futebol da Grécia desde o início. No primeiro jogo contra Portugal, beneficiaram dos nossos erros e tiveram mérito em aproveitá-los, mas foram massacrados contra a Espanha e marcaram já perto do fim, empatando. Isto fez com que passassem o grupo. Os franceses podem não ter constituído um grande adversário, mas os checos deram um banho de bola, mandaram bolas à trave e eles toca de marcar num lance de bola parada. Disse-o na altura: não era por Portugal que ia torcer na final, mas pela derrota da Grécia, pois aquela meia-final, bem como o jogo com a Espanha, tinham sido de uma injustiça tremenda. Na final, é verdade que Portugal não jogou nada e não merecia vencer, pois não soube contrariar o bloco baixo deles. Mas a Grécia também não fez por isso e tudo o que não fosse uma decisão por penaltys era injusto. Por isso, não gostei da Grécia, porque apresentaram um futebol baseado na defesa e a tentar aproveitar a sorte num ou noutro lance de bola parada. Isso é muito pouco. Por isso, sempre que, com esse tipo de jogo, os gregos perdem, fico satisfeito, porque dá razão àquilo que penso de um modelo assim: ou seja, podem ter sorte de vez em quando, mas não para sempre.

Grande abraço!

Unknown said...

Caro,
gostei muito da avaliação da Holanda.
Acompanho a Eurocopa aqui do Brasil e torço para Portugal com uma queda para a Laranja que parece sair do estigma de "mecânica", vistosa no ataque e frágil na defesa, para se tornar eletrônica. Moderna e eficiente. Quando Portugal cruzar com a Holanda como na Copa da Alemanha, teremos um jogo de encher as vistas.
abraço.
Rodrigo Focaccio
www.cultebol.blogspot.com