Saturday, May 30, 2009

Leituras



Tenho com o Barça uma estranha relação. Cresci a admirar o Dream Team, a delirar com os golos deliciosos de Romário e com Laudrup a olhar para um lado e a dar para o outro. Mas mal este acabou, virei-me para o Madrid de Raúl para chatear o meu pai e por lá fiquei. Hoje, mesmo preferindo o Madrid ao Barça, é-me humanamente impossível não admirar a orquestra blaugrana. Uma equipa que ameça seriamente tornar-se uma das míticas.Apesar da globalização, as equipas mantêm uma certa identidade. Não falo apenas do Athletic de Bilbao (esse mostra o dedo do meio à globalização), falo de várias: o Milan é cínico, a Juve chega a ser velhaca. O Liverpool é mítico e o Real Madrid monstruoso. Pensamos no Manchester United e vem-nos um vendaval à cabeça, o Bayern de Munique um exército. E quando pensamos no Barça?O Barça de Pep Guardiola (um jogador tão brutal que Valdano dizia que ninguém o devia tratar por tu em campo) é uma delícia muito difícil de descrever e está tão afinado que dói. A equipa que faz coisas que, como escrevi sobre a finta de Messi no Calderón, dão vontade de virar a cara por pudor. Um pudor que o Barça já não tem. Em certos momentos, a humilhação do rival chega a dar pena. Acabam de joelhos, cansados, desmoralizados, esmagados.A bola parece não parar. Minha, tua, tua, minha. Passe longo, passe curto. Um, dois, três e a equipa mexe-se como num tango. Divertem-se todos, disfrutam. Tudo começa em Xavi, um maestro que - passe a heresia - passou o mestre Pep que se senta num banco. Refinou o futebol a dois toques que o mítico 4 tanto amava: parar e receber. A melhor solução está sempre ali: perto ou longe, depressa ou devagar, o arranque fatal ou o passe para trás. A bola sempre com ele, a orquestra a girar. Os rivais desesperam. Depois, há Iniesta, a centopeia (expressão de Jorge Valdano). Um anjo com a bola nos pés. Siamês de Xavi, é como se fosse uma versão mais mexida, mais driblador. A maneira como ontem arrancou entre Carrick e Anderson para o primeiro golo é de uma elegância artística. Repare-se na diferença: Cristiano Ronaldo quando arranca é em força, tipo vulcão. Iniesta ontem pareceu-me que voava.

Por fim destaco, obviamente, Leo Messi. A pulga que nos parece mesmo ter genes de, ele mesmo, Maradona. A bola colada ao pé esquerdo como por encanto, a anca que finta repetidamente, os arranques imparáveis, como se fintasse os buracos da rua onde jogava quando era pequeno e depois tentasse rematar entre baldes do lixo. Messi é o menino da rua que, como li nalgum lado, paarece-nos que chega ao campo de boné para trás e pergunta timidamente se pode jogar.

Mas mais do que isso, este Barcelona revolucionou o futebol. Entregou-o de novo aos artistas. E até a mim, um defensivista, me conquistaram. Honra seja feita a Pep e a Luis Aragonés (que descobriu no Europeu que se desse um trinco - e, logo, a liberdade - a Xavi e a Iniesta dava à equipa a hipótese de poder mesmo passar os 90 minutos com a bola nos pés). O Barcelona que vi esta época fez jus à cidade. Não à parte turística, cheia de ingleses bebâdos. Fez jus aos bares escondidos no Bairro Gótico, onde se fala em catalão de liberdade.

Ver este Barça jogar emociona-me mesmo, como me emocionei a ler o "Por quem os sinos dobram". Arrepia-me ver aquela equipa baixinha, em Roma, trocar a bola rente à relva como se ensina aos infantis. E a alegria com que toda a gente se mexe e descobre um espaço e passa e arranca e a maneira como todos disfrutam. Ontem, em Roma, ganharam os bons. Os príncipes, os artistas. Aqueles a quem normalmente se reservam as vitórias morais. O Manchester, mais alto e mais forte, talvez lhes ganhasse todas as provas de atletismo. Mas ontem, a beleza do futebol - aquela que Nélson Rodrigues descreveu antes de todos os outros e Valdano continuou - revelou-se toda, num jogo que sintetizou uma época que será sempre falada no Bairro Gótico.


Este Barça não é uma equipa, é uma orquestra. Um sinfonia, um hino, arte. Quando Xavi lançou aquela bola celestial para Messi, percebi logo o lance e arrepiei-me. Arrepiei-me mesmo, como se um calafrio me passasse. A bola é divina, é perfeita, há um momento - como diz o jornalista do As - em que até parece que se atrasa para chegar à cabeça de Messi, como se tudo fosse combinado.Não sei se este Barça da bola no chão e tabelas e passes vai durar muito. Se num futebol cada vez mais fodido pela globalização, cada vez mais rápido a consumir-se, se vai durar o suficiente para marcar a década. Mas a mim, que cresci com o jogo e que me apaixono por toda a vida, toda a história que ali se faz, já me marcou.

Foi como se me apaixonasse. Este Barça é o Esplendor na Relva.

Diário de um ultra, 24 de baril de 2009.

Thursday, May 28, 2009

Com naturalidade...

Desilusão e confirmação. Foram as duas realidades que resultaram deste jogo. A desilusão de não vermos um jogo equilibrado, tal como nos tinha vindo a ser anunciando. A confirmação é a de que, actualmente, há a Premiere, a liga espanhola e italiana, e depois há o Barça…

Qualificar o futebol praticado por esta equipa do Barcelona, implica um risco muito provável de incorrer em lugares-comuns, já que o chorrilho de elogios tem sido uma constante ao longo da época. Um dos epítetos mais recorrentes que tem sido imputado ao futebol blaugrana, é o do futebol romântico, em oposição ao pragmatismo e resultadismo, como por exemplo, aquele que o Chelsea revelou nos confrontos das meias-finais. No entanto, parece-me que este futebol está muito para além do romantismo e de todas as outras coisas que lhe têm sido atribuídas. Aquilo é a essência do futebol. Está lá tudo, os deslocamentos, as coberturas ofensivas e defensivas, as compensações, as combinações tácticas e todas as acções e princípios elementares e basilares da organização do jogo. Portanto, este Barcelona ganhou com naturalidade a competição, e as restantes em que esteve envolvido. Com muita naturalidade.

Tuesday, May 12, 2009

O verdadeiro Código Quique

Ser filho de Carmen Flores, sobrinho de Lola Flores e afilhado de Di Stéfano, deu uma ajuda importante na afirmação de um debutante treinador espanhol chamado Enrique Sánchez Flores. Antes de abraçar a carreira de treinador, desenvolveu diversas colaborações com a comunicação social, o que veio cimentar, ainda mais, a relação profícua que Quique mantém com aquilo que se convencionou chamar de “quarto poder”.

Duas temporadas no Getafe com uma subida ao escalão maior e na época seguinte, manutenção da equipa nesse escalão. De seguida, o Valência, onde consegue a qualificação para a Liga dos Campeões e atinge os quartos-de-final da prova. Estes feitos razoáveis serviram para colocar Quique no patamar dos treinadores de sucesso, tendo mesmo chegado a ser comparado, inúmeras vezes, com José Mourinho!

Chega a vez do Benfica. Um clube lendário mas que vive em depressão profunda há uns valentes anos. Mais que um grande desafio, é uma oportunidade de ouro para o espanhol atingir, com fundamento, esse patamar do sucesso. No entanto, Quique não abraçou essa perspectiva.
O espanhol quis grandes jogadores, preferencialmente oriundos do campeonato espanhol, convidou um preparador físico de nome e sucesso, e achou que tudo isso seria mais que suficiente para vencer um campeonato “subdesenvolvido” como o português. Assim que chegou, Quique mostrou ao que vinha. Diamantino Miranda e Fernando Chalana, de imediato foram relegados para papéis abaixo do secundário na estrutura técnica.

Por detrás de uma imagem polida e de um discurso aberto e fluído, o espanhol foi dando mostras de uma enorme arrogância e de um ego desmesurado. Foram inúmeras as acusações de falta de empenho e qualidade que fez à sua equipa e a jogadores em particular, sem nunca assumir (ou sequer admitir essa possibilidade) qualquer responsabilidade quando as coisas corriam menos bem. Para além disso, ia dando umas entrevistas a órgãos de comunicação do seu país onde revelava de forma evidente, o seu desmedido umbiguismo e a atitude desprendida e pouco séria com que sempre encarou esta “passagem” pelo Sport Lisboa e Benfica.

Do ponto de vista táctico, Quique insistiu teimosamente num sistema e modelo de jogo absolutamente desajustados às características do futebol português e ao plantel de que dispunha. Para manter essa sua cruzada, o espanhol foi sacrificando jogadores nucleares. Sobre Léo, mantém-se o mistério de perceber o que teria ele que aprender com Jorge Ribeiro que entretanto também passou, num ápice, de tacticamente culto a jogador descartável. David Luiz acabou por ser o remendo inevitável, o que acabou por, não obstante as cavalgadas ofensivas dos últimos jogos, debilitar a organização defensiva da equipa e atrofiar o desenvolvimento de um defesa central com reconhecido potencial…
Rúben Amorim, já se sabe, um dos melhores para ocupar a zona central do meio-campo, acabou por servir de tampão para atenuar os desequilíbrios potenciados pelo 4-4-2 de Quique. A parca utilização de Óscar Cardozo, as dúvidas permanentes relativamente à constituição da dupla a utilizar na zona central do meio-campo e muitos outros aspectos marcaram esta época de equívocos técnico-tácticos de Enrique Sánchez Flores no clube da Luz. Como resultado, o futebol produzido pela equipa foi sempre qualquer coisa abaixo do sofrível. Isto foi o que toda a gente viu durante a temporada. No entanto parece que há resultados invisíveis, segundo o treinador…

O espanhol teve um dos melhores plantéis da última década, teve sempre a benevolência da comunicação social e do Terceiro Anel, algo de que nem todos os que têm passado pelo clube se podem gabar. Ainda hoje, há adeptos a manifestarem o desejo da sua continuidade em nome de um conceito muito estranho de estabilidade…Apesar disso tudo, o afilhado de Di Stéfano nunca conseguiu perceber o "código" de Tulipa, Domingos Paciência ou Manuel Cajuda, e o pior de tudo é que, facilmente se percebe, que nem sequer se esforçou para o conseguir.


PS: Sei perfeitamente que os problemas do Sport Lisboa e Benfica não se esgotam na questão do treinador, no entanto, uma coisa não invalida a outra. Os problemas estruturais não invalidam a notória incompetência de Quique Flores.

Saturday, May 09, 2009

Começou o Brasileirão

É uma afirmação no mínimo discutível, mas não tenho dúvidas que o Brasileirão, que arranca este fim de semana, é sob várias perspectivas o melhor campeonato do mundo. Nenhum tem tanta paixão acumulada. Nenhum tem tantas equipas grandes em competição. Nenhum tem tantas rivalidades. E, embora sem as grandes estrelas do país, nenhum terá tanto potencial a aparecer de ano para ano.

Filipe, Vai começar o campeonato da paixão!, Jogo directo


Subscrevo totalmente esta opinião relativamente ao campeonato brasileiro. Não o definiria melhor. Esta temporada o Brasileirão conta ainda com o aliciante de podermos ver três grandes craques que a ele regressaram: Ronaldo no Corinthians (que já se fartou de dar que falar durante o Paulistão); Fred no Fluminense, e Adriano, aquele que trocou o glamour de Milão pela rudeza da favela, e que afinal, soube-se agora, também queria trocar o Giuseppe Meazza pela Gávea...

Para além destes três enormes nomes do futebol mundial, há ainda os jovens valores a despontar, tais como Maicosuel do Botafogo, Neymar do Santos e Keirrison do Palmeiras, entre muitos outros.

Sobre o campeonato brasileiro recaiem alguns mitos, como o de que o futebol praticado é lento, individualista, entre outras coisas. Paradoxalmente, a Europa olha de forma sobranceira para o futebol jogado em terras de Vera Cruz, sem no entanto se cansar de lhe subtrair, ano após ano, todos os Patos, Kákás e Robinhos que por lá vão surgindo…
Para além de que quando se fala de futebol brasileiro é necessário ter em atenção que ele assume estilos diferentes em função do território onde é jogado. Por exemplo, a ginga do futebol carioca nada tem a ver com o jogo mais musculado de Rio Grande do Sul.

Eu, pessoalmente, também recomendo este campeonato. Tal como o Filipe do Jogo Directo, também só não verei o que não puder.

Thursday, May 07, 2009

Sobre o Chelsea-Barcelona

Nunca se saberá se Hiddink falava verdade quando afirmou que a sua equipa iria abordar o jogo de forma diferente relativamente ao jogo de Camp Nou. O pontapé certeiro de Essien, nos primeiros minutos do jogo, inviabilizou essa descoberta. No entanto, viu-se a espaços um maior atrevimento por parte dos londrinos quando a bola estava na sua posse. Não foi apenas futebol directo para Drogba como na Catalunha, de vez em quando apareciam 4/5 jogadores em zonas de finalização. Isso, associado ao desacerto defensivo dos homens de Guardiola promoveu a ilusão, “comprada” por muitos, de que o Chelsea foi superior ao Barça neste jogo. Talvez a ilusão também se explique pelo facto de que na verdade, os comandados de Hiddink apenas foram superiores (e muito!) ao Chelsea da primeira mão.

Fragilizados por ausências de peso, os blaugrana foram fiéis a si próprios. Jogaram como jogam sempre. Essa é a sua grande marca distintiva. Não fizeram muitos remates à baliza, dizem os mais radicais compradores de ilusões. Pois não. Mas desde quando é que o Barcelona é equipa que remata muito à baliza? Os remates de meia distância e os cruzamentos para a área são acções que não integram o manual de princípios desta equipa. Ao invés, é em ataque posicional, com passes curtos e tabelas que procuram desequilibrar o dispositivo defensivo dos adversários. Ora, isso, nestes dois jogos foi contrariado com sucesso pela equipa de Londres. As insónias de Hiddink deram frutos e ontem, o meio-campo catalão carecido de Iniesta que estava deslocado para outras paragens, progredia com a bola até á área adversária, contudo o último passe não saía. Esbarrava na extraordinária organização defensiva do adversário. Até ao minuto 93…

Chegou á final a melhor equipa no conjunto dos dois jogos. A equipa que foi igual a si própria e que jogou o futebol que joga sempre. Ficou pelo caminho aquela que, sobretudo num dos jogos, apenas procurou anular o seu adversário.

Sobre a arbitragem…o que se tem dito é manifestamente um exagero. Existirão dois lances passíveis de terem sido mal ajuizados com prejuízo dos londrinos, tal como Abidal também foi mal expulso, e já agora, tal como em Barcelona, também houve vários lances mal ajuizados e que prejudicaram os catalães – um deles provocado por Bosingwa…

Wednesday, May 06, 2009

Insónias

"Penso em diferentes formações. Esta semana tive sempre caneta e papel ao pé da cama. Depois do primeiro jogo não conseguia dormir e passava a noite a escrever"

Guus Hiddink, citado por vários jornais ingleses

Saturday, May 02, 2009

Estabilidade?!

Depois de ver a fragilidade do 4-4-2 clássico – que enorme desperdício de jogadores a que ele obriga! – com que o Real Madrid foi esmagado pela máquina trituradora da Catalunha, vejo o Benfica na madeira com as mesmas fragilidades típicas do sistema, mas com a agravante de o seu oponente não ter, nem de perto nem de longe, os argumentos de uma “grande equipa”. É Confrangedora e embaraçosa a incapacidade do Benfica desequilibrar uma equipa cujo método defensivo é a marcação individual. Como se isso não bastasse, as intervenções emanadas do banco, em vez de resolverem essa incapacidade, ainda a exponenciam mais. Deslocar o suporte de um meio-campo em permanente dificuldade e retirar de campo um de dois avançados que estavam a ser marcados individualmente por três defesas centrais, é algo de inexplicável…

Estabilidade assente num equívoco? Não, obrigado!