Monday, October 30, 2006

Para além de Mário Jardel

Há uma equipa no nosso campeonato que me merece um certo destaque. Não é pela sua posição na tabela, nem por qualquer resultado extraordinário que tenha alcançado, e sim, pela qualidade demonstrada em alguns aspectos do seu jogo. Essa equipa, que já me mereceu umas considerações neste espaço é o Beira-Mar.

O Beira-Mar desde o início da época foi alvo da curiosidade de muitos, suscitada pela aquisição de Mário Jardel. Esperar-se-ia um modelo de jogo para a equipa construído à medida do goleador brasileiro, ou seja, jogo centrado nos corredores laterais tendo em vista servir Jardel através de cruzamentos. Nesta perspectiva, o sistema que se esperava vir a ser implementado seria o 4x3x3. No entanto nada disso se tem verificado. Augusto Inácio tem optado pelo 4x4x2 (losango), alternando-o em algumas circunstâncias pelo 3x5x2 ou 5x3x2. Mas o aspecto que mais merece destaque é o facto de a equipa defender “à zona”, mesmo contra equipas que não as do “seu campeonato” – foi o que se pôde constatar do jogo da última jornada frente ao Sporting. Utilizando o mesmo sistema de jogo do seu opositor, poder-se-ia esperar da equipa aveirense um certo “encaixe” nas peças do adversário, visando anular a influência decorrente da sua maior qualidade técnica. Novamente não foi isso a que assistimos, e sim – quando sem bola – a um bloco compacto, com permanentes acções de cobertura que basculava em função da posição da bola. Não o fez com total eficácia, pois foram vários os espaços vazios que se criaram (sobretudo nos minutos iniciais) e que os avançados leoninos não souberam aproveitar, mas isso também decorre naturalmente da maior valia técnica dos jogadores verde e brancos.

Não sendo totalmente eficaz em termos de processo defensivo, a “zona” do Beira-Mar torna-se mais profícua no que respeita às transições ofensivas, sobressaindo assim uma das virtudes do método da zona, que é o facto de a equipa não se organizar (ou desorganizar) em função do adversário e sim em função dela mesma, ou daquilo que é o seu modelo de jogar, e de facto, a equipa aveirense, sempre que tinha a bola em seu poder parecia saber de cor o caminho a dar-lhe: em poucos toques fazê-la chegar rapidamente à grande área do adversário.

Em termos de destaques individuais, para além do renascido Jardel, há ainda um lateral esquerdo muito interessante: Tininho, um lateral ofensivo que controla bem os timings de subida e recuperação; Luciano Ratinho, um médio criativo que funciona como o "número 10" da equipa e Wegno, um avançado de grande mobilidade.

Friday, October 20, 2006

Quando a «zona» cede ao «homem»

Benfica - Barcelona da época passada. Ricardo Rocha foi destacado para marcar Ronaldinho Gaúcho. Foi notório durante – sobretudo a primeira parte do jogo – que sempre que a bola chegava aos pés do brasileiro, imediatamente Ricardo encostava nele, seguindo-o para onde quer que ele fosse. A actuação do central – adaptado a lateral nesse jogo – foi eficaz na primeira parte do jogo, em que Ronaldinho jogava do lado esquerdo do ataque da equipa catalã. Nos dias subsequentes ao jogo, acendeu-se uma interessante discussão sobre os méritos da marcação individual e da marcação à zona, identificada esta última como o método das equipas de top. Houve quem criticasse a opção de Ronald Koeman, e em última instância até a apontasse como uma das causas do insucesso da equipa encarnada nesse jogo…

Quem observou o Chelsea-Barcelona de quarta-feira, pôde facilmente constatar que o lateral direito, Boulahrouz (também ele central adaptado à posição) se ocupou fundamentalmente da marcação individual ao astro brasileiro, chegando mesmo a acompanhá-lo – pressionando-o - até ao meio campo contrário. Não deixa de ser curiosa esta constatação, sobretudo tendo em conta que se está a falar de uma equipa de top e também das que melhor interpreta, actualmente, os princípios da “zona”.

Não quero com isto, pôr em causa o axioma da defesa à zona como característica distintiva das grandes equipas, apenas me parece que pô-la em prática de forma absoluta, quando se defrontam equipas que contam nos seus quadros com jogadores cuja capacidade técnica os dota da capacidade de fazer coisas imprevisíveis, é um risco que não valerá a pena correr.

Argumentam os defensores do método defensivo da zona que essa é a melhor e até a única forma de uma equipa se manter coesa, manter o equilíbrio entre as suas linhas e desse modo poder controlar e até dominar um jogo. De acordo, no entanto, pô-lo em prática de forma absoluta, nas circunstâncias referidas atrás, é negar o factor individual do jogo, é negar, sem pôr em causa os imperativos colectivos, que existem jogadores cujo talento pode desequilibrar uma partida a qualquer momento. E o facto de ter existido essa marcação individual a Ronaldinho não fez com que a equipa do Chelsea se desequilibrasse em momento algum do referido jogo – prova disso foram as ténues oportunidades de perigo criadas junto da baliza de Hilário.

Thursday, October 19, 2006

Para reflectir...


"...As pessoas sugerem que os futebolistas devem comportar-se como os jogadores de râguebi e aceitar as decisões. Nesta modalidade, os atletas podem falar com os árbitros. Nós não estamos autorizados. Gostava que o futebol se equiparasse ao râguebi nalgumas coisas porque não podemos falar com os árbitros...quando nos dirigimos e tentamos falar com eles, não respondem nem dirigem qualquer palavra. É difícil lidar com isto..."

Thierry Henry

Friday, October 13, 2006

Futebol português: método defensivo à zona ou individual? (I)


Mais importante que os sistema de jogo de uma equipa, são os métodos de jogo utilizados, defensivos ou ofensivos.

São três os métodos defensivos em futebol, a saber: método individual, mais comummente designado por defesa homem-a-homem, o método à zona, o método misto ou zona mista e a zona pressionante, por vezes designado - e mal porque também se pode pressionar alto sem ser de forma zonal – por pressing alto.

Actualmente o método defensivo utilizado pelas equipas de top é o método da zona, variando depois a amplitude do pressing, para se definir se é zona pressionante ou não - sobre isto não restam dúvidas.

Nuno Amieiro, na sua tese de mestrado, adaptada a livro – Defesa à Zona no Futebol. Um Pretexto para Reflectir sobre o «Jogar» … Bem, Ganhando! - , desenvolve a ideia de que o método individual tem duas formas diferenciadas de se manifestar, ou seja, pode ser pela marcação individual do adversário, marcação essa tendo como referência o adversário (independentemente de quem seja o adversário) e não o espaço e o sítio onde a bola se encontra (referências do método à zona). Outra forma é aquela onde a referência de marcação é personalizada, ou seja, é atribuído ao jogador a missão de marcar determinado jogador da equipa adversária, ficando assim encarregue de seguir exclusivamente esse jogador. Segundo Nuno Amieiro, são estas duas manifestações do método individual que consubstanciam o padrão defensivo das equipas portuguesas: “…no futebol português, ignora-se, por completo, o que é verdadeiramente «defender à zona». Não se percebe que existe outra realidade, outra forma de se perspectivar a organização defensiva de uma equipa. Só este facto justifica o «padrão defensivo» que a quase totalidade das equipas apresenta: uma «defesa homem-a-homem» mesclada com algumas «marcações individuais», o mesmo é dizer, um «jogo de pares» onde as equipas procuram «encaixar» no adversário…”

(...)
continua em breve

Thursday, October 12, 2006

Um reparo aos comentaristas profissionais (nem todos)

Talvez por desconhecimento ou então – mais grave ainda - por incapacidade, este senhores esquecem-se de uma premissa fundamental no que diz respeito ao futebol: O jogo de futebol é um jogo colectivo que consiste numa relação de antagonismo entre duas equipas, circunscritas a regras, lutando por um objectivo intermédio (a posse da bola) e um objectivo final (a obtenção do golo e evitar essa concretização ao adversário). É uma lógica relativamente simples, sobretudo se pensarmos em outras modalidades. No entanto essa simplicidade pode ser mais ilusória que real.
O jogo de futebol contém um quadro extenso de variáveis físicas, técnico-tácticas, psicológicas, sociológicas e culturais. Estas variáveis condicionam-se reciprocamente, o que torna necessário que o conteúdo de um jogo de futebol seja analisado com rigor.
Uma análise rigorosa de um jogo de futebol não se compadece com a particularização de apenas uma parte que compõe o objecto de análise.
Por muito inferior que uma equipa seja, no conjunto de todas as variáveis supra-mencionadas, desde que reúna as condições iguais do ponto de vista regulamentar (por exemplo, não se encontre em inferioridade numérica), nunca se poderá, em rigor, avaliar o seu insucesso em função, exclusivamente, dessa inferioridade, ou inversamente, tirar mérito à equipa adversária que é superior, pelo facto de ter atingido os objectivos do jogo. Por isso mesmo, é que por vezes, quando surgem as ditas “surpresas” (como a recente vitória do Chipre por 5-2 frente à República da Irlanda), a tendência de vários comentaristas é invariavelmente, a de analisar e explicar o sucedido, nunca reconhecendo, nem uma pontinha de mérito ao autor da surpresa, mas sim, apontando uma série de defeitos no surpreendido…extremamente redutor…

O futebol tem esta particularidade, ou seja, a sua aparente simplicidade, a forma como desperta emoções, a importância sócio-económica crescente que tem vindo a assumir nos últimos anos, o seu carácter universal, tudo isto contribui para o tolhimento cognitivo de quem o analisa. No caso do comum adepto, não é grave, já no caso de quem o analisa com o peso do profissionalismo em cima dos ombros, aí o caso muda de figura.

Taxativo (sobre o Polónia-Portugal)

Mais do que a prestação deste ou daquele jogador, o que foi realmente determinante no jogo da selecção foi a prestação colectiva. A equipa portuguesa esteve mal nos momentos de transição. Foi uma equipa que teve sempre os seus sectores distanciados e desligados. Poder-se-á discutir a proficiência do duplo pivot defensivo constituído por Costinha e Petit e consequente ausência da “muleta” de Deco: Maniche. Quanto ao resto, são apenas aspectos conjunturais, que resultaram de uma deficiência ao nível da dinâmica de jogo e também da qualidade do adversário.

PS: Pauleta foi criticado por muitos, que lhe apontavam o facto de - segundo eles - apenas fazer bons jogos frente a selecções de segunda categoria. Porque não acontecerá o mesmo a Cristiano Ronaldo?

Tuesday, October 10, 2006

Uma recordação de tempos sem marketing...

Em tempo de fase de qualificação para o Europeu de 2008, recordei uma bela geração de futebolistas lusos, que nada deve aos mais recentes representantes da selecção das quinas.

Um conjunto fabuloso de jogadores que pisou os relvados numa altura em que o marketing ainda não grassava no desporto rei e que teve o seu apogeu no Europeu de França em 1984.

Foi o europeu da arte latina. Dos quatro semi-finalistas, apenas uma equipa representava o futebol do norte da Europa, ainda assim, aquela que tradicionalmente mais se aproxima do virtuosismo típico do futebol latino: a Dinamarca, já a viver na antecâmara do sucesso que viria a alcançar em 1992.

O jogo da meia-final que opôs Portugal a França fica para sempre nos anais da história do futebol luso, com duas reviravoltas súbitas no resultado, que acabou por pender para a poderosa selecção gaulesa e o seu meio campo de luxo, constituído por quatro fabulosos criativos: Platini, Giresse, Tigana e Fernandez.

Uma selecção nacional que se deu ao luxo de não contar com nomes como Humberto Coelho, João Alves, António Oliveira e Manuel Fernandes e que mostrou à Europa um pequeno genial chamado Fernando Chalana.



Monday, October 09, 2006

Karagounis: o multifunções

"...Karagounis é um jogador de explosão, indomável, daqueles que se ri dos sistemas tácticos e, em campo, adquire várias personalidades..."

Luís Freitas Lobo


Pouco utilizado por Koeman, Karagounis parece ter adquirido, nesta fase inicial da época, um protagonismo dentro de campo mais condicente com as expectativas que criara junto dos adeptos encarnados.

Uma das conclusões que se pode retirar das últimas exibições do grego é a sua polivalência. Karagounis pode ocupar qualquer posição do meio campo com igual eficiência. Quando chegou ao Benfica, foi-lhe atribuído o número 10, na camisola e na função, contudo, não se pode considerar, de maneira nenhuma, que seja um nº 10 clássico. A questão é precisamente essa: como definir, em termos futebolísticos, Karagounis? Não é um 10 (falta-lhe maior criatividade e visão de jogo), mas pode jogar no espaço tradicionalmente ocupado por esse jogador, em função da sua capacidade de controlo de bola, pela forma como marca o ritmo de jogo, e pelo seu forte remate de longa ou curta distância. Pode também jogar como médio interior, dada a sua qualidade ao nível do transporte de bola. É também um jogador com boa capacidade de passe (curto ou longo). Mas o que mais ressaltou dos últimos jogos do grego, foi a sua disponibilidade defensiva, tendo inclusive, jogado na posição de médio mais recuado, no jogo frente ao Desportivo das Aves, e com reconhecida eficácia. Já no jogo frente ao Manchester United, Karagounis recuperou muitas bolas ao adversário, tendo sido um autêntico “tampão” na zona intermédia do campo. Atente-se que foi após a sua saída que os ingleses começaram a trocar a bola com maior facilidade, fazendo-a chegar, com perigo, à grande área encarnada. Karagounis, neste Benfica pode perfeitamente ocupar qualquer posição do meio campo, mas eventualmente, e tendo em conta o sistema de jogo, poderá encaixar de forma proficiente num dos vértices adiantados do triângulo invertido, ou no caso do duplo pivot (4x2x3x1 ou 4x2x1x3), poderá ocupar uma das duas posições da primeira linha do meio campo, um pouco à semelhança de Maniche na selecção nacional. Nesse caso, a dinâmica imposta, acabaria por ditar, por um lado, maior consistência defensiva – anulando a eventual e teórica permeabilidade defensiva, que advém da utilização de apenas um médio defensivo – e também maior fluidez na transição ofensiva.


Tuesday, October 03, 2006

O endeusamento e a diabolização no futebol português

O “fenómeno Mourinho” tem tido as mais diversas consequências, muitas delas para além das que decorrem estritamente do trabalho do treinador português, com tradução directa nos excelentes resultados conquistados.

Apesar de estar a iniciar a sua terceira época em Londres, o seu nome continua a fazer ressonância por cá. Multiplicaram-se os livros sobre o treinador – uns mais ao estilo de uma qualquer revista people, outros de teor mais técnico, onde as suas ideias foram esmiuçadas até à exaustão.

Ao nível da classe profissional, também as consequências foram e ainda têm sido por demais evidentes. Apressaram-se uns quantos académicos e recém-licenciados, que emergidos do nada, desataram a reproduzir um estilo alheio, mas um estilo que era acima de tudo uma referência.

Os outros, os que já cá andavam há uns tempos, foram sendo esquecidos e muitos deles procuraram oportunidades de emprego em outras paragens, outros houve que pura e simplesmente caíram mesmo no esquecimento e até mudaram de actividade, após terem visto todo o seu anterior trabalho ser deitado no lixo em detrimento de novos e modernos métodos de trabalho.


Tudo o que Mourinho, do lado de lá do canal da mancha vai dizendo, são verdades absolutas. A sua opinião veiculada semanalmente na revista Dez do jornal Record, era sistematicamente parafraseada por muitos…
Ao nível do comentário e análise, mudou-se a terminologia, a linguagem e os conceitos.

Também foi notório, por parte dos dirigentes dos clubes, o esforço em desencantar um novo exemplar, tendo-se sucedido em catadupa as várias tentativas frustradas…

Para não variar, seja no futebol, seja em outros quadrantes da vida social portuguesa, somos o povo do oito ou do oitenta, onde o meio-termo continua a ser algo intangível.

É evidente que muitos dos treinadores enquadrados naquilo que se convencionou chamar de “velha guarda” ou da “velha escola” também terão dado um contributo para este estado de coisas, pelo facto de não terem procurado evoluir no desempenho do seu trabalho, seja por negligência, ou por teimosia e prepotência que os tenha feito olhar de soslaio para o trabalho de novos profissionais. No entanto, também será exagerado pensar-se que Mourinho e uma nova geração de treinadores que emerge ao mesmo tempo que ele sejam os detentores dos melhores métodos de trabalho.

Actualmente existem dois treinadores que se encontram no auge das boas graças da opinião pública em geral, curiosamente, cada um deles enquadrado nas duas categorias anteriormente referidas: Carlos Carvalhal, o jovem académico e Jesualdo Ferreira, também académico, mas com carreira já longa no futebol português.

Não pretendendo realizar grandes análises aos respectivos trabalhos e desempenhos dos dois treinadores e nem querendo, de forma alguma, pôr em causa a sua qualidade, penso, no entanto, que seria interessante olhar para ambos com base nos mesmos critérios que muitos utilizam para avaliar o desempenho de outros profissionais do treino.
Assim sendo, Jesualdo Ferreira, agora endeusado, foi em tempos um treinador olhado – sobretudo após ter substituído Toni no cargo de treinador principal no Benfica - com muita desconfiança. Antes disso, passagens discretas por Académica, Estrela da Amadora, Far Rabat (Marrocos), Alverca e selecção nacional de esperanças. As duas últimas épocas em Braga – iniciadas com imensa contestação – foram de facto muito bem sucedidas, no entanto, em termos de resultados práticos, foram alcançadas duas qualificações para a taça Uefa.

Quanto a Carlos Carvalhal, conta no seu currículo com uma final da taça ao serviço do Leixões, que na altura disputava a liga de Honra e uma passagem – com grandes expectativas criadas - mal sucedida pelo Beleneneses.

Mais uma vez, volto a referir que não quero, de modo algum, pôr em causa a qualidade e o mérito destes treinadores, apenas deixo a questão: será que o endeusamento deles se justifica, sobretudo quando comparado com a diabolização de outros?

Monday, October 02, 2006

Taxativo



"...O mal das equipas portuguesas, quando defrontam clubes grandes, é que o medo provocado por esses confrontos leva a alterações injustificadas nas suas estruturas..."

Carlos Carvalhal