Monday, October 01, 2007

O queixume do costume

Nesta última jornada sucederam em catadupa os queixumes sobre as arbitragens, com evidente destaque, invariavelmente, para o derby da Luz. É um facto indesmentível que muita coisa vai mal na arbitragem portuguesa e não é menos verdade que o problema não é de agora. No entanto há algo que começa a ser demasiado evidente. O Sporting tem já uma longa tradição nesta matéria, sendo que os eventuais erros de arbitragem são já argumento recorrente dos responsáveis leoninos para explicar ou desculpar resultados menos positivos. Quem não se recorda do folclórico luto pela verdade desportiva? Ou da inflamada cruzada contra o “sistema” levada a cabo por Dias da Cunha, o mesmo que umas épocas antes quando fora campeão aparecia de “braço dado” com aqueles que mais tarde viria a acusar de caudilhos do odioso sistema?

Na verdade, uma decisão que na perspectiva dos leões, penalize injustamente o clube desencadeia sempre uma convulsão que é capaz de durar uma época inteira. Tem sido assim esta época com o lance do dragão ocorrido à segunda jornada, e agora após o derby da Luz, Paulo Bento falou em vergonha e dirigiu mais uns quantos mimos aos árbitros e suas estruturas organizativas. Tudo isto roça o ridículo quando pensamos que ainda na penúltima jornada o clube de Alvalade foi objectivamente beneficiado com uma decisão da equipa de arbitragem, quando esta não assinalou uma grande penalidade (daquelas que não suscitam dúvidas nem discussão) a favor do Vitória de Setúbal. Nesse caso onde terá parado a vergonha? E existem muitos outros exemplos em que o Sporting saiu beneficiado, e na sequência dos quais, o silêncio ou o assobio para o lado foi a nota dominante por parte do clube de Alvalade. E desengane-se quem pense que este facto é algo de agora ou dos últimos anos. De facto esta idiossincrasia está inscrita no código genético da instituição. Nascido em berço de ouro, e como tal com tiques de fidalgo que espera sempre obter graça de outrem, o clube fundado pelo Visconde de Alvalade, desde muito cedo foi pródigo em manifestações de indignação sempre que os seus responsáveis entendiam que estariam a ser prejudicados. Foi assim no campeonato de Lisboa - época 1910/1911, em que os leões tiveram uma falta de comparência por alegadamente terem sido prejudicados num fora-de-jogo, precisamente num jogo frente ao Benfica. Nos primeiros passos do futebol lisboeta, dominados pelo popular Benfica, o Sporting sempre fez uso da sua maior riqueza material e influência para contestar tudo o que não lhe corria da forma que esperava.*

Houve um outro episódio interessante e pitoresco, que também encerra paralelismo com a actualidade, ocorreu num torneio lisboeta, em 1907 – ano em que o clube do Visconde de Alvalade conhecia a sua fase de expansão, quer em termos de infra-estruturas, quer ao nível da sua equipa de futebol, fruto da debandada de jogadores do Sport Lisboa (cerca de um ano mais tarde, Sport Lisboa e Benfica). Reza a história que num encontro frente ao Cruz Negra, após um remate de um jogador leonino a bola tabelou numa das árvores plantadas em redor do recinto de jogo, sendo depois devolvida para um remate que viria a resultar no golo dos sportinguistas. A comunicação que o clube mais tarde produziu em resposta a toda a polémica e discussão que naturalmente este lance provocou, foi a seguinte: «1º - O referee não apitou e, como tal, o jogo devia continuar; 2º - Em igualdade de circunstâncias, quando a bola bateu nas árvores do lado do campo, caindo na volta dentro do jogo, não era considerada fora.»*

Estes episódios pertencem a um passado longínquo, são história, contudo, esta não serve apenas para interpretar as acções passadas. A história também nos dá um enorme contributo para a análise e interpretação do presente.

Se o Sporting por vezes é prejudicado, também há outras em que é beneficiado, e não faz sentido algum assumir veementemente a postura moralista e de arauto da verdade desportiva na primeira situação, se na segunda se fala “baixinho” ou nem isso…


*Homero Serpa, História do Desporto em Portugal – Do Século XIX à Primeira Guerra Mundial, Instituto Piaget, Lisboa, 2007

1 comment:

LF said...

Fantástico.

Lembro-me também da célebre jornada de luto em 1999.

Realmente o Sporting tem tradição nestes queixumes, muitas das vezes sem qualquer razão.