Sunday, December 16, 2007

Afinal, o que é a mística do Benfica?

É preciso sair do país para enxergar o prestígio e o tamanhão do Benfica em todo o mundo. Estive três anos em França, no Marselha, joguei num estádio fantástico, o Vélodrome, convivi com grandes jogadores como Pain e Waddle, mas o Benfica estava sempre no meu pensamento. Os meus companheiros de equiopa não percebiam o meu entusiasmo pelo clube, já que sabiam pouco do futebol português, embora reconhecendo o tremendo historial do Benfica.

Durante os primeiros tempos tive de aturar os comentários de Papin, logo desde o início, sempre que jogávamos em casa. Uns dias antes de cada jogo, o Papin chegava para mim e me dizia: "Mozer, vais ver o que é um estádio cheio e um ambiente terrível." Terrível para os outros. Não sei se o Papin fazia isso para me intimidar, já que era ainda novo no clube e não percebia muito daquela conversa. Mas para mim, sempre pensava: "Este cara precisava de jogar no Maracanã ou no estádio da Luz, cheios." Era o que eu pensava.

Até que, na taça dos Campeões, nas meias-finais, o Benfica calhou no caminho do Marselha. Fiquei, ao início, desgostoso, porque ia defrontar o meu Benfica, clube que os meus companehiros sabiam que eu adorava,. Me lembro do sauzée, o meu zagueiro do lado, me ter perguntado:"você vai estar em condições de jogar contra o Benfica?" Aí, senti que beliscavam o meu profissionalismo. Nos dois jogos, joguei a duzentos por cento. Depois do primeiro jogo, em Marselha, uns dias antes de jogarmos na Luz, virei para o Papin e lhe perguntei: " Papin, você quer mesmo ver o que é um estádio cheio, com 120 mil a gritar todos para o mesmo lado?" Engraçada, a reacção do Papin: "Você está me querendo meter medo, Mozer?" Não estava não e por isso lhe disse para esperar e ver. E já agora tremer. Pois bem, chegou o dia, chegámos no estádio da Luz e fomos indo para os balneários. Muitos risos, muita convicção de que íamos jogar a final da Copa dos Campeões. Lembro até que Tapie disse aos jornalistas franceses que lhe podiam chamar Bernardette se o Marselha perdesse a eliminatória.

Antes de subirmos ao relvado, para o aquecimento, Papin ainda troçou de mim, dizendo que estava já "tremendo de medo". E ria-se bastante.

Os jogadores foram saindo do balneário e eu atrasei um pouco, porque estava colocando uma ligadura no tornozelo. Quando cheguei perto do túnel de acesso ao estádio, começo a ver os meus companheiros, completamente assustados e todos do lado de dentro, não querendo entrar. Só depois é que percebi que, nessa altura, o Eusébio foi chamado ao relvado para receber uma homenagem e foi aí que o estádio quase vinha abaixo. Logo no momento em que os meus companheiros do Marselha se preparavam para entrar. Claro que voltaram atrás, assustados e me perguntando "o que era aquilo?". Aquilo, respondi eu, é o inferno da Luz. Aí todos começam a me dizer para ser eu o primeiro a avançar, subi as escadas, entrei no relvado, não fui mal recebido e quando olhei para trás, estava sozinho. Espreitando, à saída da escadaria, estavam alguns companheiros do Marselha, ainda com um olhar de medo e só nessa altura foram começando a entrar. No regresso às cabinas, perguntei ao Papin: "Já sabe agora o que é um estádio cheio e um grande ambiente?". A resposta nunca mais a esqueci: "Mozer, nunca vi uma coisa destas. Tudo isto é incrível. Sempre tiveste razão, o Benfica é enorme." Naquela noite, o Marselha perdeu, fiquei triste mas senti orgulho pelo Benfica. E já agora, naquele balneário, fui o único a ter uma vitória. Foi uma vitória moral, sobre aqueles que não acreditavam na grandeza do Benfica.

Mozer

Retirado de, Pela Mística dentro, José Marinho, Prime Books

1 comment:

Anonymous said...

É fantástico!

Pena que o Inferno da Luz esteja longe dos tempos do passado.

E, Mozer? Quem sabe um dia regresse ao Benfica...